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Tentativas.

O adeus ao teatro tradicional.

A busca de outro público, ausente no centro.

A busca de outra cidade, outro espaço econômico, social, cultural.

Mais do que representar, trata-se de construir,

no palco e na sociedade, outro teatro, outra vida.

Tentativas. Sonhos. Realidade?

A estréia foi em 1979, quando o grupo ainda se chamava Apoena, com o espetáculo Mãos Sujas de Terra, que falava de posseiros, gente simples do campo sendo expulsa de suas terras. Em seguida, em 1981, veio A Ferro e Fogo, colocando o movimento operário no palco. Nos dois espetáculos, o mesmo prólogo, apresentado por um ator sorteado a cada noite:

Senhores,

limpamos nossas mãos do silêncio e do vazio

para mergulhá-las na realidade.

Queremos falar do campo e da fábrica,

que nos inspiram o respeito e a revolta contida.

Que a todo momento nos venha a alegria,

se soubermos construí-la,

mas hoje, separando do todo uma parte,

uma pequena parte,

contaremos uma história,

uma grande história do dia-a-dia.

A todos aqueles que trabalham,

nosso trabalho, registro, testemunho e solidariedade.

 

Eram tempos de ditadura e o texto de A Ferro e Fogo foi proibido na íntegra. Um recurso ao Conselho Superior de Censura, em Brasília, foi defendido pelos representantes da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, ABI – Associação Brasileira de Imprensa e SNT – Serviço Nacional de Teatro, órgão do próprio governo. Eles e os demais conselheiros votaram pela liberação da peça. Faltava o voto do Presidente. Se ele se manifestasse contra, a decisão iria para o Ministro da Justiça que, fatalmente, consumaria a proibição. Silêncio. O espetáculo, pronto há 5 meses, quando a estréia fora cancelada e o teatro devolvido, dependia daquele homem calado, pensativo, ocupando a cabeceira da grande mesa numa sala nobre da capital federal. Veio a decisão:

– É teatro, né? Ninguém vai ver mesmo. Eu aprovo.

Em São Paulo, a Censura Federal não pensava da mesma forma. Reagiu com irritação. Sobre o texto ela não podia fazer mais nada, restava o exame do espetáculo. Como sempre, houve uma apresentação exclusiva no teatro, a portas fechadas, para duas censoras. No fim, a decisão inédita:

– Não estamos satisfeitas. Queremos nova apresentação.

Outra manhã, outra sessão. Ostensivamente, intimidando a todos, o Chefe da Censura em São Paulo, pessoalmente, as duas censoras e mais cinco investigadores armados da Polícia Federal ocuparam a platéia:

– Podem começar!

No final, a ordem:

– Esse slides das últimas cenas estão proibidos! E eu quero o responsável na minha sala até o meio-dia!

Saíram reclamando o “absurdo, como essa gente de Brasília libera uma coisa dessas, assim não é possível…!”

Outros Tempos

O prólogo dos espetáculos reproduzido acima e a experiência vivida com a censura parecem perdidos no tempo. Os posseiros já foram expulsos, embora o MST ainda lute pela terra. O movimento operário se cala e os trabalhadores mendigam pelo emprego que não voltará mais. O teatro tem que ser mercadoria, espalhar ilusões e distrair. E a censura foi substituída pela ditadura do mercado: o que interessa é entretenimento e dinheiro, ser competente para gerar renda e ponto final!

Em meados dos anos 80 essa situação já estava desenhada. O teatro mais e mais se reduzia a uma opção no cardápio de distrações da noite paulistana. Motel, garotas de programa, pizza, filme, teatro, não importa, desde que distraia, faça o tempo passar. E os profissionais mais e mais se equipavam de mil e uma habilidades para se vender no mercado de ilusões: comédia, drama, canto, dança, acrobacia, palhaço, vale tudo que facilite a venda do trabalho, menos pensar fora do esquema, menos fazer um espetáculo fora do esquema. A essa mesmice se deu o nome de diversidade, competência, profissionalismo, etc., etc.

Havia – e há – renitentes. Na Cooperativa Paulista de Teatro, alguns núcleos, cada vez mais isolados e sufocados, tentavam construir outros caminhos, outro teatro. Em 1986, dois deles resolveram se unir numa produção comum e numa troca cotidiana de idéias. Da junção do Apoena e do Engenho de Arte nasceu o grupo Engenho e consolidou-se a idéia de abandonar o Bixiga (bairro central onde se concentrava a maioria dos teatros) e seu esquema de mercado precário, colonizado, subdesenvolvido, eternamente falido.

Totalmente avesso e deliberadamente inadaptado a essas condições, o grupo ainda produziu alguns espetáculos até o início dos anos 90. Em 1993, lançou o Engenho Teatral – teatro móvel bem equipado e, ao mesmo tempo, uma proposta de como fazer teatro – e sumiu na periferia de São Paulo. Começava ali uma nova fase que aprofundava a recusa ao teatro convencional e retomava, sem copiar, experiências abortadas ou abandonadas aqui e em outros lugares, em outros tempos. Pequenas histórias que à História não contam, Em Pedaços, Outro$ 500, Opereta de Botequim, Cabaré do Avesso e o Teatro de Bolso são resultados disso.

O GRUPO ENGENHO

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